Pode ser melhor aceitar Chávez no Mercosul
A entreda da Venezuela no bloco pode neutralizar o chavismo
FERNANDO ABRUCIO é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA |
O Brasil deve aceitar a entrada da Venezuela no Mercosul? Essa questão é essencial para definir a forma e o conteúdo da liderança regional brasileira. Aparentemente, há um consenso na elite política sobre a importância crescente da América do Sul para o nosso país. Com tal visão concordariam FHC e Lula, em mais uma daquelas convergências entre os dois governos. Mas há mais de uma maneira de fazer a integração, de modo que é preciso definir a estratégia mais adequada à defesa dos interesses nacionais.
Só que a boa política externa não segue um decálogo moral, nem é para principiantes. Os críticos à incorporação venezuelana centram o foco na cláusula democrática do Mercosul. Segundo essa regra, os países do bloco que violarem a democracia poderão sofrer sanções. No limite, isso pode levar à expulsão. O governo de Hugo Chávez tem, paulatinamente, destruído os pilares democráticos da Venezuela. Seu arsenal antidemocrático é enorme: ataque à independência do Judiciário, cerceamento da liberdade de imprensa, criação de “milícias políticas” para perseguir os opositores, entre outras coisas.
Firmar acordos com países autoritários é perigoso, pois seus governantes podem não cumpri-los. É melhor estabelecer parcerias com democracias. Contudo nem sempre isso é possível. Seria mais adequado ao mundo isolar a China e frear sua entrada na OMC? A opinião de americanos e europeus é outra. Particularmente interessante e paradoxal é a posição dos Estados Unidos. Eles condenam Cuba de manhã e à tarde dão preferências tarifárias às mercadorias chinesas. Qual a diferença entre o regime de Fidel e o dragão chinês? Do ponto de vista político, nenhuma: são ditaduras.
A democracia é ainda recente na história sul-americana. Em alguns lugares, suas bases são frouxas, especialmente por causa da terrível combinação de desigualdade social com elites antidemocráticas – à esquerda e à direita. Não apenas a Venezuela está nessa situação. A Bolívia e o Equador também parecem trilhar a mesma rota. Amanhã o Paraguai poderá ser o próximo no clube. Quanto o Brasil puder atuar para afastar os males do autoritarismo, melhor para a região e para os interesses brasileiros.
Como líder da região, o Brasil tem de aprender a neutralizar os efeitos do chavismo sem isolá-lo |
Mas a luta contra formas antidemocráticas é limitada pela capacidade das nações de influenciar as outras. Basta lembrar da invasão americana no Iraque. Mais que em política interna, a diplomacia deve se mover pelo que Max Weber chamou de ética da responsabilidade, segundo a qual o cálculo das conseqüências da ação se sobrepõe ao “principismo”, o terreno puro dos valores.
Com base nessa argumentação, pode-se dizer que a Venezuela é mais preocupante ao Brasil não por seu regime político, mas pela forma como tem interferido nos países vizinhos. É isso que atinge mais profundamente nossos interesses nacionais. Rejeitar sua entrada no Mercosul não reduzirá o jogo perverso do governo venezuelano na região. Ao contrário, exacerbará o modelo chavista de atuação, que se definirá como o verdadeiro defensor da integração regional e tentará jogar outras nações contra nós. O Uruguai e a Argentina já aprovaram a entrada da Venezuela no bloco. Isso aumenta o custo da decisão brasileira.
A entrada no Mercosul de uma Venezuela comandada por Chávez redundará em confusões e problemas. Vetar seu ingresso, porém, levará a dois efeitos negativos. Primeiro, vários setores terão perdas econômicas. E, o mais importante, a liderança regional brasileira será colocada em xeque e poderá sofrer um esgarçamento. Se quisermos manter a pretensão geopolítica na região, teremos de aprender a neutralizar os efeitos do chavismo sem isolá-lo do projeto de integração. Política externa não é para principiantes.
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